gravar caixa de bateria

4 macetes para gravar caixa de bateria que mudaram meu trabalho

Gravar bateria é uma das partes mais divertidas do processo de gravação.

Não sei você, mas eu curto muito, principalmente em estúdios de gravação com vários equipamentos, salas grandes e – ainda mais importante – bandas com um bom batera.

Mas ao longo dos anos eu aprendi várias coisas sobre captação e gravação de bateria. No começo eu não conseguia tirar o som que eu queria, e gravar caixa de bateria sempre foi um dos maiores desafios de todo o processo.

Ao contrário do bumbo, que pode ser “isolado” dos pratos e do vazamento com cobertores e afins, o mic da caixa pega um pouco de tudo, principalmente o chimbal, que está sempre lá. Mas, como tudo na vida, uma hora eu entendi o que eu precisava fazer.

Hoje, eu vou compartilhar com vocês 4 macetes para gravar caixa de bateria que mudaram o meu trabalho.

Vamos lá?

1. Encontrar o ponto máximo de rejeição do microfone

Microfones cardioide têm um padrão de rejeição considerado ideal para gravar caixa de bateria. Basicamente, eles rejeitam o que está além de 90o.

polar pattern sm57
Padrão de captação do Shure SM57

Muitos futuros produtores musicais que ainda estão começando não entendem muito bem como funcionam os diferentes padrões de captação dos mics, e isso é normal. Mas por que isso importa ao gravar caixa de bateria? Porque podemos nos beneficiar disso.

A 180o do eixo principal do mic (como na imagem acima) temos o ponto máximo de rejeição de qualquer fonte sonora.

Pra ficar simples: o que estiver atrás do mic vai soar mais baixo. E o que nos queremos agora é rejeitar ao máximo o que mais atrapalha na hora de gravar a caixa: o chimbal.

Então o que vamos fazer? Colocar o ponto máximo de rejeição do mic apontado para o chimbal e nos aproveitar desse ponto de rejeição.

Da próxima vez que você for gravar uma caixa de bateria, tente posicionar o mic “de costas” para o chimbal. O segredo é encontrar o meio termo entre o timbre que você quer captar e o isolamento ideal.

PS: O Matheus Borges do audioFARM studios mandou aquela dica massa pra complementar: “Pra ajudar a complementar a dica 1, muito importante por sinal, a galera pode pegar o manual do microfone a ser usado e conferir as várias curvas de resposta de frequência que se alteram no padrão polar do microfone, por exemplo, o hi-hat tem a maior parte de sua energia concentrada acima de 1k, se observarmos o manual do SM57 por exemplo, vamos perceber que acima desse valor seu padrão polar basicamente torna-se hipercardioide, ou seja a maior parte da energia gerada pelo hi-hat, acima de 1k, vai ser melhor rejeitada se posicionarmos a bunda do SM57 levemente fora do eixo traseiro do mesmo! Abz”.

2. Posicione os microfones com o mesmo ângulo e distância

A maioria das gravações de caixa são feitas com dois microfones: um em cima (o “top” mic) e um embaixo, na esteira (o “bottom” mic).

Assim, você tem o som completo da caixa, com o ataque da batedeira e o rattle da esteira. Porém, sempre que gravamos uma mesma fonte sonora com dois microfones, podemos ter dois problemas:

  • Fase
  • e polaridade.

Explicando rapidamente, a fase é o tempo que uma onda leva para atingir a cápsula do microfone, a polaridade é se essa onda é positiva (pico) ou negativa (vale).

polaridade de ondas
Ondas com polaridades inversas
gravar caixa de bateria
Ondas fora de fase

E sim, se você reparou, nós falamos fase erroneamente, mas isso não é problema. O nosso foco aqui é reduzir ao máximo qualquer dificuldade que a fase ou a polaridade podem gerar na gravação.

Um ponto importante sobre gravar caixa de bateria com dois mics é o seguinte: o microfone da esteira sempre estará com a polaridade invertida, se comparado ao mic de cima. Por que? Porque a onda chega até cada um dos mics de forma invertida, pois está “viajando” em direções contrárias.

Pense da seguinte forma: quanto a baqueta tocar na pele da caixa, a movimentação de ar dentro da caixa de bateria vai mover as peles no mesmo sentido (para baixo), mas, temos a cápsula do mic de baixo apontando para cima e a do mic de cima apontando para baixo. Então, a polaridade da onda vai chegar até a cápsulas dos mics em sentidos contrários.

Uma imagem para ajudar a visualizar isso:

gravar caixa de bateria
Polaridade da onda

O ar se move em direções contrárias e isso significa que você sempre terá que inverter a polaridade do mic da esteira.

Mas, e a fase? Ahá, é aqui que o macete entra de fato.

Para ter o máximo de alinhamento possível entre os dois microfones, é preciso que as ondas sonoras cheguem até as duas cápsulas no espaço de tempo mais próximo possível. De preferência, no mesmo espaço de tempo! Assim vamos minimizar a possibilidade de haver diferença na fase entre os dois mics.

Então, entra o próximo macete: posicione os mics com a mesma distância e o mesmo ângulo, em relação a caixa.

Right way:

gravar caixa de bateria
Microfonando certinho

Wrong way:

gravar caixa de bateria
Naaaaah (eu sei que é a mesma imagem :P)

Resumão: quanto mais semelhante for a distância – e o ângulo – dos dois microfones em relação à caixa, menor a probabilidade de você ter problemas com fase. A onda sonora do instrumento chegará até a cápsula dos dois microfones ao mesmo tempo, e a sua fase estará tight. Porém, a polaridade sempre estará invertida e você precisa inverter o mic de baixo.

PS: não deixe para inverter a polaridade só na hora de mixar, já capte invertendo a fase direto no programa que você está usando. Geralmente o ícone é esse “ø”. 😉


3. Use dois mics: 57 + small condenser

Roubei essa dica do Joe Chiccarrelli (falo mermo).

joe chiccarelli
Joe Chiccarelli

Esse senhor amigável já gravou The White Stripes, Jim Morrisey, Strokes, Alanis Morrisette, Frank Zappa, e por aí vai.

O Joe é um cara conhecido por tirar uma sonzeira na captação de batera (vejo sempre no Mix With The Masters) e ele mesmo sempre fala sobre a importância de tentar captar o som o mais próximo possível do resultado final esperado.

O famoso “captar pronto”.

Caixa e bumbo são as duas peças da bateria que costumam receber tratamento pesado na hora de mixar. Muito porque o som inicial não era legal, não combinava com a track ou simplesmente não parecia “pronto”.

Até que eu vi esse macete.

A dica do Joe

Basicamente, o que o Joe faz (e ele deve ter copiado de outra pessoa também) é pregar com uma fita – literalmente – dois microfones: um dinâmico (como o famoso SM57) e um condensador de cápsula pequena (também conhecido como pencil mic).

shure sm57
O SM57
at 2021
O pencil mic AT 2021

E os dois juntos:

gravar caixa de bateria
Voilá

O porque de usar os dois mics em conjunto é muito simples: o 57 (e qualquer dinâmico) possui muito ataque, ou o famoso snap, que está concentrado nos médios. Já os mics condensadores (como regra geral) dão certa ênfase nos graves e agudos.

shure sm57
Frequência de resposta do SM57
at 2021
Frequência de resposta AT2021

Os gráficos mostram para a gente que o 57 tem um boost lá entre 5 e 6 kHz, enquanto  AT2021 tem uma resposta mais linear nos graves (a partir de 100 Hz) e boost no high end (10kHz). Juntando os dois microfones, você tem o grave, médio e agudo definidos logo na captação e a sua vida fica ainda mais fácil na hora de mixar.

A caixa de bateria não vai ter muita informação interessante abaixo dos 100, 110Hz, então não se preocupe com frequências mais baixas.

Se possível, junte os dois microfones em uma só track na hora de gravar. Ou seja, some os dois microfones em um mesmo canal e capte só ele. Lembre-se de conferir a polaridade dos mics!

4. 1 som gravado, 3 tracks na DAW

Para fechar, eu separei uma dica que vai servir muito bem para quem mixa em home studios e encara algumas caixas de bateria não tão boas assim. Não é exatamente um macete de gravação, mas nem sempre você vai mixar somente o que você grava, além de ser uma boa alternativa para quem não é muito fã de samples (ou ainda não achou uma forma eficiente de usá-los).

Esse macete separa um som de caixa em 3 partes:

  • O som original (ou full);
  • O snap (ataque);
  • O corpo (grave).
3 canais caixa de bateria
Os 3 canais 🙂

Tudo o que você precisa fazer é fazer duas cópias do seu canal de caixa e começar. 🙂

Full

A sua primeira track vai ser a caixa full. É a caixa de bateria gravada que veio junto com o projeto. Nela, você vai fazer o tratamento normal, com a equalização e compressão que você usaria normalmente para chegar no som que deseja.

Mas algumas vezes ainda falta aquele “tcham” pra chegar no som matador de caixa de bateria.

Snap

O snap é a sua primeira cópia da track original da caixa. É aqui que você vai colocar uma quantidade absurda de ataque. Ou seja, uma boa dose de algo entre 3 e 5k Hz. A receita de bolo funciona mais ou menos assim:

  • Gate bem fechadinho;
  • Um filtro High-pass (HPF) em 350Hz e corte amplo em uns 700Hz;
  • Compressor à gosto (batendo em uns bons 10 dB de Gain Reduction);
  • SSLChannel boost em 5kHz.

Seu snap está pronto. 🙂 Alguns prints para você usar de partida:

eq gravar caixa de bateria
HPF em 300 Hz, e um corte leve em 700Hz bem amplo 🙂
ssl eq snap gravar caixa de bateria
Lots of highs!

Corpo

Essa dica marota eu peguei do Jack Joseph Puig.

Jack Joseph Puig
Jack Joseph Puig

E ela é muito simples:

  • Low-pass filter (LPF) em torno de 1k Hz;
  • EQ estilo Pultec com uma quantidade absurda de grave, em 60Hz.
pultec gravar caixa de bateria
Pultec, boost em 60Hz!
low pass filter caixa de bateria
HPF em 35Hz, por precaução, e LPF em 1.33kHz (foi o que soou bem 😛 )

Simples assim. Agora é só temperar e servir quentinho!

O segredo dessa divisão de caixas e utilizar o snap e o corpo para conseguir o som de caixa que você quer sem precisar alterar a track original. 🙂

PS2: eu tentei achar o vídeo onde o Puig explica esse macete, mas não consegui :/

Conclusão

Gravar caixa de bateria não precisa ser um bicho de sete cabeças.

Já acertei e errei várias vezes, e procurei compartilhar um pouco do que eu aprendi aqui. Claro, essa não é a regra dos deuses, e provavelmente muitos outros caras do áudio têm dicas, macetes e aprendizados para compartilhar.

O segredo é absorver tudo o que você pode e usar o que funciona para você. 🙂


 

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